Você Está
Início > Notícias > Destaque > Chargista da Gazeta sofre ameaça de agressão física

Chargista da Gazeta sofre ameaça de agressão física

Os casos de violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil cresceram nos últimos anos. É o que aponta a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) em seu relatório de 2016: 17,52% na comparação com o ano anterior. Mais de 200 profissionais de todo o país foram submetidos a agressões físicas ou verbais, que vão de ameaças a assassinatos. No último dia 02 de fevereiro, a Gazeta de Rosário entrou para essas estatísticas.

O chargista do jornal, Zamir Pinto, sofreu ameaça de espancamento. Conforme ocorrência policial registrada pelo próprio, um motociclista estacionou em frente à sua residência e ameaçou agredi-lo fisicamente devido às charges publicadas no jornal. Após as ameaças, o rapaz embarcou na motocicleta e partiu. Cabe ressaltar que os desenhos veiculados na publicação não citam nomes de pessoas.

Em seus 20 anos como colaborador da Gazeta, Zamir nunca havia enfrentado situação semelhante. “Ofender-se por causa de uma charge pode ser até compreensível, agora ameaçar é um ato gravíssimo, que nos causa surpresa e indignação”, relatou o chargista, que há 14 anos possui a Revista Satiricom, com circulação mensal pelo município.

Zamir acrescenta que os temas de seus desenhos nunca são pautados na raiva ou na ofensa. “Num mundo tão cheio de intolerância e desrespeito com o ser humano só nos resta torcer por nossa integridade e acreditar que ainda exista mais gente de bem do que aqueles que pensam que tudo pode ser resolvido pela ignorância”, conclui.

Segundo a Fenaj, a agressão física foi a forma mais frequente de violência contra profissionais da imprensa registradas em 2016: 36,03% dos casos. Em seguida aparecem as agressões verbais, com 16,15% e as ameaças com 14,91%. A Região Sudeste lidera os casos do relatório, com 44,10%, seguida pelo Sul, com 18,63%.

Foto: Reprodução/Relatório de Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil 2016/Fenaj

Presidente da Federação de Jornalistas da América Latina defende a liberdade de expressão

Celso Augusto Schröder é jornalista e chargista há mais de 40 anos. Foto: Caroline Motta

Presidente da Federação de Jornalistas da América Latina e Caribe (Fepalc) e professor da Faculdade de Jornalismo da PUC-RS, Celso Augusto Schröder é chargista há mais de 40 anos e um defensor da liberdade de expressão. “A charge ou cartum editorial é um espaço de opinião, um local garantido pelo pressuposto mais sagrado de todas as cartas democráticas do mundo desde a declaração francesa, consagrada nos Estados Unidos e no Brasil”, disse ele em entrevista à Gazeta de Rosário.

Ex-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), também foi vice da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), atuando pela garantia dos direitos dos profissionais da imprensa. “A charge é essencial. Ela é importante para a democracia no Brasil, tem uma narrativa que se relaciona com o leitor de uma maneira única. Assim, qualquer tipo de cerceamento ou de incidência sobre isso revela comportamentos autoritários. A expressão máxima dessa intolerância foi o Charlie Hebdo”, analisa.

Schröder refere-se ao atentado contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo em 2015, em Paris, que resultou na morte de doze pessoas. O ataque teria sido uma forma de protesto contra as charges veiculadas na publicação que satirizavam o profeta Maomé, cultuado no islamismo. “A reação contrária é absolutamente normal, faz parte da construção de opinião. O que a gente não pode suportar é qualquer tipo de ameaça, sejam verbais ou pior, físicas. O massacre no Charlie Hebdo não foi de surpresa. Foi anunciado, com muitas ameaças. A ameaça tem que ser tratada no campo do crime”, afirmou.

Segundo o jornalista, a charge cumpre dentro do jornal o mesmo que o artigo, o editorial, a crônica. “Se a informação ou a opinião for ruim, o público vai dizer que a qualidade não está boa. Se ela for criminosa, houver uma mentira ou uma difamação, existe a lei. Isso tudo é aplicado depois. Qualquer coisa que for realizada antes, é censura. E tudo que é censura é inconstitucional, é crime. Se nós não tivermos liberdade de expressão, nós não teremos jornalismo e nós não teremos democracia”.

Schröder ainda ressalta: na agressão contra um jornalista, o leitor também é alvo. “Quando se agride o mensageiro, é para a mensagem não chegar. E essa mensagem não é do mensageiro, é do receptor. Se mata, se agride, se inibe, se censura, se constrange jornalistas para os leitores não terem a informação. Então o prejudicado sempre é a audiência”.

Charge publicada pelo Charlie Hebdo depois que sua sede foi incendiada, antes do atentado de 2015. O desenho mostra um muçulmano e um cartunista se beijando e a frase “O amor é mais forte do que o ódio”. Foto: Reprodução/Internet

Atualmente, Schröder divulga a maioria das suas charges pelas redes sociais, onde já alcançou mais de 1 milhão de curtidas. Licenciado do Correio do Povo, ele desenhou para o jornal desde 1986 e foi vencedor de nove prêmios da Associação Rio-grandense de Imprensa. “O humor é libertador. Ele está presente em todas as civilizações, é constituidor, um elemento de sanidade social. Permite que a sociedade se olhe com menos ego, a partir de uma possibilidade de brincar consigo mesma. A charge é jornalismo, é liberdade de expressão, e é humor”, conclui.

Opinião carregada de informação

Desde o seu surgimento, o jornalismo conta com uma poderosa ferramenta que o acompanha com o passar dos séculos: a charge. Ela é uma forma de expressão artística ainda mais antiga que o próprio jornalismo. Seu pioneiro é o francês Jacques Callot, criador do gênero da sátira social, no século XVII.

No Brasil, a charge se popularizou a partir do momento em que os impressos periódicos passaram a ser publicados, entre o fim do Império e fundação da República. Deste então, diversas publicações fizeram história a partir de traços divertidos e controversos, como a Revista Illustrada, O Cruzeiro e O Pasquim.

O termo charge tem raiz no idioma francês e significa carga, no sentido de ser carregada. A expressão traduz uma característica marcante desta manifestação artística: a função de comentar de maneira crítica, ou mesmo ácida, um fato político ou social já conhecido pelos leitores.

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Top