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Enfermeira de Rosário do Sul vence concurso literário

Era apenas um sábado normal na vida da enfermeira formada há menos de dois anos. Com a casa lotada de visitas, o celular toca e o chamado vinha do trabalho. “Tu tens que ir. Tem que ser tu”, disseram pelo outro lado; e ela foi. Chegando ao Hospital Irmandade da Santa Casa de Caridade de São Gabriel, Valéria descobriu que se tratava de um recém-nascido que, ainda muito fraco, precisava ser levado a outro município para receber tratamento. Assim começava um dos fatos mais marcantes da carreira da enfermeira que hoje, aos 35 anos, recorda o acontecido ainda em 2008.

A história havia ficado somente na memória; mas quando soube do concurso Minha História de Luta na Enfermagem, promovido pelo SERGS (Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul), o ocorrido voltou-lhe a cabeça e, pouco antes do final do prazo de inscrições, Valéria sentou e escreveu o texto que lhe daria o primeiro lugar e um prêmio de R$ 1.000,00.

Ela conta que uma das maiores dificuldades encontradas, foi descrever o fato que tanto lhe marcara, nas 20 linhas exigidas para o concurso. “Foi bem complicado escolher uma história entre tantas em quase 12 anos de formada. Mas contar essa tão marcante em apenas 20 linhas, pra mim foi bem difícil”, recorda.

Atualmente, Valéria trabalha no posto de Estratégia de Saúde da Família do bairro Ana Luiza; mas além de São Gabriel, sua cidade natal, ela atuou também em São José do Norte.

O concurso Minha História de Luta na Enfermagem foi lançado para marcar os 45 anos de lutas do sindicato, com o objetivo de reconhecer textos que reproduzissem em prosa e verso o cotidiano de batalhas diárias da categoria. Os critérios foram aderência ao tema, originalidade e qualidade textual, além de ser sócio (a) em dia com o SERGS.

O texto escrito por Valéria foi publicado na íntegra no jornal do sindicato e ela garante que se o concurso for realizado novamente, irá participar. “Que a gente possa contar as nossas histórias para que a nossa profissão seja mais reconhecida”, finaliza. A enfermeira convida ainda os colegas para não permitirem que os fatos que ocorrem dentro dos hospitais, se percam nos corredores brancos e imensos; mas que ganhem vida nas linhas de mais histórias como a dela.

Foto: Rhayza Moreira / Gazeta de Rosário

SERGS – O Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul foi criado em 1972, com o objetivo de coordenar, proteger e representar legalmente os enfermeiros do estado. Segundo a entidade, no Rio Grande do Sul existem cerca de 19 mil enfermeiros (as).

O texto vencedor do concurso

Era julho de 2008, caía a noite fria de sábado quando meu celular tocou, era do Setor de Transportes da Secretaria de Saúde. Estranho, pois eu não estava de plantão. Do outro lado da linha uma pessoa bastante ansiosa dizia que eu precisava transferir um paciente para a uma cidade localizada a 500km dali, indaguei o porquê de estarem me ligando visto que não era meu plantão e a resposta foi porque dada a complexidade do caso necessitava de uma enfermeira e a única da escala que estaria na cidade seria eu. Chegando ao hospital, descubro que o paciente era um recém-nascido. Dirijo-me ao berçário e me deparo com uma puérpera que acompanhei algumas vezes durante seu tratamento pré-natal, quando ela me viu disse: “-Graças a Deus é tu que vai levar minha filha, em ti eu confio!”. Eu, formada a cerca de dois anos, com várias dúvidas na cabeça me vi com mais uma, imensa, e me punha a perguntar, o que é eu faço aqui, será que sou capaz? Nas minhas costas o peso da responsabilidade imposto por aquela mãe. No berço aquecido uma menina linda, com uma dificuldade imensa para respirar mesmo com a ajuda de uma máscara de O2. O que tínhamos para vencer aquela viagem? Uma ambulância simples, 80 litros de O2, um berço aquecido e minha vontade de ver aquela criança bem, pois via nos olhos daquela mãe a confiança que ela depositava, enquanto permaneceria internada para tratar problemas relacionados à intercorrências no parto. Seguimos viagem, o pai da menina nos acompanhou, porém viajou na cabine com o motorista. Ali naquele espaço éramos nós duas e a fé que me acompanha. Depois de algum tempo o berço parou de aquecer, e não me restava alternativa a não ser colocar a menina dentro do meu casaco para que o calor do meu corpo a aquecesse, funcionou. Faltando mais de 1h para chegarmos ao destino outro problema, o O2 estava terminando, ela não resistiria… Avisei o motorista e ele parou na cidade mais próxima, a Polícia Rodoviária nos ajudou, trocou um dos nossos torpedos vazios por um cheio que eles tinham e seguimos novamente. A saturação nunca subia de 80%… Quando o O2 terminou novamente, eram 5h estávamos dentro da UTI Neonatal e eu soltava a bebê no berço onde ela ficaria internada. Passei o caso para a colega, me despedi do pai, respirei fundo e segui por aquele corredor com os olhos marejados e a certeza do dever cumprido. E assim sigo minha trajetória no SUS há 11 anos, com muito estudo, força de vontade e superando a cada dia as dificuldades impostas pela falta de recursos.

Reportagem: Dyuli Soares / Gazeta de Rosário
Fotos: Rhayza Moreira / Gazeta de Rosário

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