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Oliveira Silveira: o poeta rosariense da Consciência Negra

“Encontrei minhas origens na cor da minha pele, nos lanhos de minha alma. Em mim, em minha gente escura, em meus heróis altivos. Encontrei, encontrei-as enfim, me encontrei”. A poesia “Encontrei Minhas Origens” é a preferida de Taís Rodrigues, sobrinha do autor Oliveira Silveira. O rosariense fez história com sua atuação dentro do movimento negro e sua luta pelo reconhecimento das raízes afrodescendentes do Brasil. À ele é atribuída a ideia da instituição de 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra.

O poeta faleceu em 2009, aos 68 anos, após uma vida inteira dedicada aos estudos e à luta contra a segregação e o racismo. Nascido no 6º Distrito de Rosário do Sul, no Touro Passo, ele galgou seu espaço apoiado em livros. Formado em Letras e Literatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tornou-se professor na mesma instituição, além de dedicar-se à militância pela causa negra e à produção literária.

“Ele era super educado, português exemplar, corretíssimo. Todos os presentes que eu recebi dele, eram relacionados aos estudos. Ele me ensinou que a única forma do negro ser reconhecido é através do estudo. Todos esses certificados que eu tenho na minha parede, eu devo ao meu tio”, conta a esteticista Taís. Ela foi uma das tantas pessoas cativadas pelo trabalho de Oliveira Silveira, que teve dentre os seus maiores feitos a conquista da instauração do 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra.

“Desde cedo ele se insurgia contra a data máxima do negro brasileiro, que até então era o 13 de maio, a data da abolição da escravatura, [assinada pela] princesa Isabel. O Oliveira dizia que o negro não podia ter como a data mais expressiva, a abolição da escravatura, porque aquilo foi uma concessão do governo imperial. Ele achava que tinha que encontrar um caminho diferente”, relatou Alsom Pereira da Silva, ex-prefeito e ex-vereador de Rosário do Sul, amigo de Oliveira Silveira. O argumento é reforçado por Taís: “A princesa Isabel deixou os negros sem trabalho, sem moradia, sem comida. A desigualdade social que existe hoje, é através dessa data. Que liberdade é essa? É uma liberdade sem asas, é o que ele sempre me dizia”.

Oliveira, no Touro Passo, com suas irmãs Levi e Suely, sua sobrinha Taís e seu cunhado Hugo. Foto: Reprodução / Antologia Poética de Oliveira Silveira

A nova data escolhida para celebrar a cultura negra e relembrar a história dos afrodescendentes no Brasil, além de servir como marco de luta contra o racismo, foi o dia da morte de Zumbi dos Palmares, um dos principais revolucionários pela libertação dos escravos. O Quilombo dos Palmares, criado por volta de 1595, na Serra da Barriga, em Alagoas, resistiu por quase um século em sua luta contra a escravidão. Em homenagem a essa história, Oliveira Silveira e seus companheiros de luta fundaram o Grupo Palmares na capital gaúcha em 1971. A partir daí, o estado reconheceu a data, que posteriormente foi incluída no calendário escolar, em 2003, e instituída em âmbito nacional, em 2011.

Silveira teve seu trabalho reconhecimento em todo Brasil e até internacionalmente. Recebeu várias distinções como a menção honrosa da União Brasileira de escritores, do Rio de Janeiro, em 1969, e a medalha ao Mérito Cruz e Souza, da Comissão Estadual para Celebração do Centenário da Morte de Cruz e Souza, de Florianópolis/SC, em 1998. Atualmente, o Dia da Consciência Negra é feriado em cerca de mil cidades em todo o país e nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro, através de decretos estaduais.

Uma vida dedicada aos estudos

Oliveira com a filha Naiara. Foto: Reprodução / Antologia Poética de Oliveira Silveira

A sobrinha Taís lembra com carinho do tio que partiu, mas que deixou muitos ensinamentos. “Ele era uma pessoa muito simples. A casa dele tinha livros até o teto, não tinha espaço pra gente. Era poliglota, professor de Literatura e Português na UFRGS”, contou ela, em entrevista à Gazeta de Rosário. “No meu aniversário, ele me enviava poemas ou ligava e declamava por telefone”, relata ela, saudosa.

Segundo a sobrinha, Oliveira Silveira era muito estudioso e enfrentava todas as dificuldades impostas por sua condição de vida e local de residência, como a falta de energia elétrica, para aprender. Sua relação com Rosário do Sul era muito forte. Conforme Taís, era apaixonado pelo Touro Passo, sua terra.

Taís explica ainda que toda sua família, por parte de mãe, é descendente de negros, e que isso foi um incentivo para a luta de Silveira. “Tem uns poemas dele que tu lê e fica se imaginando na pele do negro. O que a pessoa sentiu, o que a pessoa passou. Dói”, afirma.

Oliveira Silveira residiu até seus últimos dias na Avenida Assis Brasil, em Porto Alegre, e deixou uma filha, Naiara. Conforme Taís, vivia dedicado aos trabalhos da faculdade e à sua produção literária.

Rosário do Sul presta homenagens ao seu ilustre filho

Oliveira e o amigo Alsom em Porto Alegre, em 1961. Foto: Reprodução / Antologia Poética de Oliveira Silveira

Este ano de 2017 teve o primeiro 20 de novembro celebrado em Rosário do Sul como feriado municipal. O Projeto de Lei que instituiu a data foi aprovado pelos vereadores do município em dezembro do ano passado, e posteriormente sancionado pela prefeita Zilase Rossignollo Cunha. A proposta foi do então presidente do legislativo rosariense Alsom Pereira da Silva.

Ex-prefeito e ex-vereador de Rosário do Sul, Alsom participou de atividades voltadas ao Dia da Consciência Negra que foram promovidas durante toda a semana passada pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Smec). Seus relatos sobre Silveira vão além do que está posto nos livros, eles cresceram juntos. Vizinhos na infância do Touro Passo, permaneceram amigos durante o colegial no então chamado Ginásio Estadual Plácido de Castro e seguiram unidos para o desafio da cidade grande em Porto Alegre, onde dividiram a moradia, em 1959.

Na capital, estudaram no “Julinho”, o Colégio Estadual Júlio de Castilhos. “Ele se insurgia contra a segregação, contra o trato do negro brasileiro, que, na verdade, constitui grande parte da população brasileira”, relatou Alsom. “As poesias dele são, normalmente, um grito de dor. Ele é um poeta que extrapolou, de longe, nossa cidade”, analisou o amigo, em contato com a reportagem da Gazeta.

Outra paixão de Silveira era a música. Juntos, ele e Alsom escreviam e cantavam. Para o amigo que fez carreira política, no entanto, uma das suas poesias musicadas é especial, ela falava da saudade de Rosário. “No final de 2008, a irmã dele me disse que ele não estava bem. Telefonei pra ele. Ficamos um ‘tempão’ conversando, falamos bastante, rimos. Chamávamos um ao outro de ‘índio velho’. Falamos sobre a música e ele disse que queria fazer uma alteração, mas que precisávamos cantar juntos”.

Após isso, a situação de saúde de Silveira, que sofria de câncer, se agravou e ele veio a falecer no início do ano seguinte. Sua última publicação foi o livro “Bandone do Caverá”, obra que o amigo Alsom recebeu das mãos da sobrinha do autor, Taís Rodrigues, um dia após o seu falecimento, com uma dedicatória. “Desabei, pois era um irmão”, relembrou ele.

Em homenagem ao poeta, Alsom deu nome à música cantada e planejada por ambos de “Hino dos Rosarienses Distantes”, e recitou-a quando da chegada das cinzas de Oliveira no município.

“Santa Maria, rio lá da terra
arroio e serra, velho Caverá.
Aqui o anúncio do sol pela aurora
O lá de fora nunca igualará.

Por isto quando este sol moribundo
Pintar a fundo o poente no azul
Dê-me a cordeona de alma daninha
Que eu volto pra minha Rosário do Sul.

E o tempo a passá, passá, passá…
E a saudade a doê, doê, doê…
Parece até que alguém mordente
Por gosto ou maldade deixou a saudade
No peito da gente, doendo, pois é.”

CENTRO CULTURAL – Em 2011, a Administração Municipal de Ney Padilha, que tinha como secretário de Educação e Cultura José Olávio de Almeida Motta, inaugurou as instalações do Centro Municipal de Cultura Professor Oliveira Ferreira da Silveira. O local ficava no antigo prédio do Clube União Rosariense, anexo ao Teatro Municipal João Pessoa. Juntamente com o teatro, o novo ambiente reunia em um mesmo espaço a Biblioteca Werneldo Horbe, o Museu General Honório Lemes e o Departamento Cultural da prefeitura. Atualmente, com exceção do teatro, os órgãos funcionam junto à Secretaria Municipal de Trabalho, Habitação e Assistência Social.

Reportagem: Caroline Motta e Rhayza Moreira / Gazeta de Rosário
Fotos: Reprodução / Antologia Poética de Oliveira Silveira e Tânia Meinerz / Divulgação

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