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DE BOLHA PARA BOLHA: Por que o aumento do número de curados da COVID-19 não é exatamente algo bom?

Há duas semanas eu estava rolando com o meu celular o feed de notícias de uma conhecida rede social quando me deparei com um comentário em uma publicação da página de um certo jornal de alcance regional inquirindo por que o tal veículo não noticiava o aumento no número de curados pela COVID-19. Isso me fez lembrar que muitas dúvidas persistem para grande parte da população sobre essa doença e o estado de coisas que ela impôs. Por isso acho importante o uso de espaços como o desta coluna para tratar do tema, a difusão da informação é parte do esforço necessário ao combate à pandemia.

Dito isso, o que há de errado em comemorar o aumento no número de curados ou em iniciativas como o Placar da Vida? Como a maioria das viroses, a COVID-19 é uma doença autolimitada, ou seja, é causada por uma infecção que chega ao fim em período mais ou menos determinado sem que seja necessária uma ação terapêutica para isso. Mesmo quando o desfecho é o óbito, o que se passa com a minoria, a morte costuma acontecer depois do fim do ciclo natural da doença no organismo, causada por processos patológicos detonados pela infecção pelo SARS-CoV-2.

O que torna a COVID-19 um problema tão sério é a possibilidade de reinfecção e a alta transmissibilidade, o que por si só poderia causar enorme mortandade em caso de espalhamento em grande escala mesmo que sua taxa de letalidade fosse mais baixa. Soma-se a isso a possibilidade real do desenvolvimento de sequelas, inclusive nos casos com sintomatologia branda, a elevada taxa de infectados que demandam internação — podendo levar ao esgotamento da capacidade de atendimento hospitalar para toda a população — e a probabilidade aumentada do surgimento de mutações com impacto imprevisível e capazes de agravar os problemas anteriormente citados em situações de disseminação descontrolada do vírus. 

Assim se explica por que um alto número de curados é na verdade um indicador de fracasso, não de sucesso. Não estamos reduzindo a letalidade, estamos celebrando a recuperação em taxa esperada de pessoas que foram expostas a um patógeno do qual elas deveriam ter sido preservadas. Quanto mais curados temos, mais infectados tivemos. Consequentemente, também teremos mais óbitos, mais sequelados, maior impacto econômico e maior probabilidade de surgimento de variantes de preocupação.

Comemorar sobreviventes só faria sentido se estivéssemos efetivamente salvando vidas que seriam perdidas sem intervenção, e isso até tem acontecido. Com quase um ano e meio de experiência acumulada, o entendimento da ciência hoje sobre o manejo dos pacientes e a gestão da pandemia é muito superior ao disponível em março de 2020. No entanto, o que temos visto muitas vezes é o aumento da taxa de letalidade por conta da explosão de casos num curto espaço de tempo, que aumenta a demanda hospitalar e priva muitos do suporte médico necessário. No fim das contas, a melhor estratégia para salvar vidas continua sendo a vacinação, o não contato e, em caso de falha das duas primeiras medidas, a intervenção médica nos casos graves.

Nós até podemos e devemos comemorar cada vida individualmente que foi tocada pelo novo coronavírus e teve a sorte de ser poupada, mas contabilizar curados como se fosse uma evidência de melhora é viver uma ilusão. A despeito da bandeira vermelha, as coisas não estão bem. É esse o fato que merece destaque na mídia, e o contrário seria como noticiar a integridade da caixa preta em vez da queda do avião.

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