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DE BOLHA PARA BOLHA: A cada coisa, o seu nome

Existe racismo contra brancos em nossa sociedade? Já houve regime socialista no Brasil? O impeachment foi um golpe? O presidente é genocida? E o nazifascismo, é de esquerda ou direita?

Embora esta possa parecer uma posição um tanto evasiva, todas as respostas para essas e outras perguntas que movimentam o debate público passam necessariamente pelo significado que atribuímos às palavras. Quando eu digo de forma literal que um homem pulou da janela, dificilmente haverá alguma confusão de interpretação, pois há um consenso razoável sobre a que se refere cada uma das unidades linguísticas na frase, e até que sentido é estabelecido pela relação entre elas. Entretanto, quando deixamos de lado o vocabulário mais pertinente ao mundo concreto e começamos a manusear conceitos mais abstratos, as coisas tendem a ficar mais confusas, pois não há tanta clareza sobre o que eles são ou podem ser exatamente, ao menos fora dos meios onde são trabalhados.

Muitas vezes isso não é tão problemático, normalmente o domínio preciso do léxico de uma linguagem técnica deve ser uma preocupação dos especialistas de sua respectiva área do saber. A língua é viva, o entendimento sobre os conceitos evolui e alguma flexibilidade na expressão cotidiana é inevitável e até positiva. Ainda assim, é imperativo que todas as partes de uma discussão que se pretenda produtiva estejam comprometidas com uma convenção semântica mínima, em que todos são capazes de entender o que cada um quer dizer com os termos que emprega em seu discurso.

Não se trata de um intelectualismo caprichoso. Se nos atermos ao tempo que temos perdido em debates estéreis em que não conseguimos assimilar ou transmitir uma mensagem, porque nem reparamos que usamos os mesmos significantes para diferentes significados, percebemos a importância do alinhamento conceitual. E isso vale até mesmo para discussões que não pertencem à esfera pública, afinal, o sentimento pode ser o mesmo, mas o significado de um eu te amo também pode variar dramaticamente para cada uma das metades de um casal. 

Vivemos uma crise da comunicação, que é parte do quadro de desentendimento generalizado entre as pessoas que marca esta época. Creio que não deva ser uma novidade para ninguém, mas esse fenômeno vem sendo retroalimentado pela disputa ideológica. Há muitas pessoas nos dois campos do espectro político empenhados na reinterpretação de conceitos consagrados, no fomento de falsas controvérsias e na falsificação de consensos, muitas vezes amparadas por estudiosos mais comprometidos com os objetivos momentâneos de uma agenda política do que com as suas áreas de estudo. É o uso intencional da linguagem para confundir, manipular e limitar a capacidade de expressão de certas ideias, e não para comunicar. Um vislumbre de mudança talvez seja possível quando deixarmos de colaborar com essa conduta.

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