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“O que faltou mesmo foi saída de emergência, daria tempo do pessoal sair”

Outro rosariense integrante da banda Gurizada Fandangueira, que tocava na boate Kiss no momento do incêndio e seria responsável pelo show pirotécnico que teria iniciado o fogo, é Eliel de Lima, 31 anos. Baterista do grupo há nove meses, ele se mostra abalado com a tragédia e com a perda do colega músico, Danilo Jaques, que faleceu dentro do local. Eliel conversou com a Gazeta de Rosário em sua casa, na tarde de segunda-feira (28).

 

GAZETA DE ROSÁRIO – O que se passou entre o tempo que estavam tocando até conseguirem sair da boate?

ELIEL DE LIMA – Eu estava tocando, concentrado, olhando para o repertório ao lado. Quando olhei para cima,  vi aquela chama no teto. Aquilo foi aumentando e um rapaz alcançou um extintor para o vocalista, mas não funcionou. O segurança também tentou, mas seguiu sem funcionar. Aí a gente saiu do palco. Eu pulei por cima de uma caixa, tinha pouco espaço para sair correndo. encontrei o gaiteiro e ele me pediu bem tranquilo para soltar a fivela da gaita. Ajudei e continuei. Quando olhei para trás, já vinha uma multidão por cima de mim, parecia um arrastão. Fui no meio deles. Quando cheguei perto da porta, enganchei a perna e fiquei tramado. Me bateu o pavor e eu já não vi mais nada. Mesmo andando uns dois passos no lado de fora eu não percebi que estava na rua, tamanha era a fumaça. Foi horrível, um filme de terror.

 

GAZETA – Como é a estrutura da boate?

ELIEL – A casa, infelizmente, tem a mesma porta para entrada e saída, que tem no máximo 3 metros. Para dificultar, tem uma divisória de paredes no meio, com uma porta interna ali e outra aqui (aponta para direita e esquerda). E para piorar mais ainda, na frente da boate tem uma grade de ferro bem na porta. O pessoal teria que fazer a volta na grade pra sair. Os primeiros que saíram, caíram em cima daquela grade.

 

GAZETA – Como está tua condição física? Está machucado?

ELIEL – Ainda me dói um pouco o peito. Fui no plantão ontem (27) e me deram remédio, hoje já estou bem. Saí da boate espremido, mas não cheguei a cair.

 

GAZETA – Qual sua história em Rosário e como músico?

ELIEL – Nasci aqui. Faz 17 anos que trabalho com música. Sempre trabalhei mais em outras cidades. Há dois anos estava trabalhando por Santa Maria e há nove meses na Gurizada Fandangueira. Minha família é toda daqui: meu pai Pedro e minha mãe Gilda. Não sei como vai ficar minha carreira musical, tem que esperar passar essa polêmica. Só Deus sabe o que vai acontecer.

 

GAZETA – Encontrou alguém de Rosário na ocasião?

ELIEL – Durante a festa não vi ninguém, mas na parte da tarde, na hora de passar o som, encontrei a moça que trabalhava na casa e era daqui (Marfisa Caminha). Ela estava lá organizando as coisas. De noite, quando cheguei, ela estava parada na portaria. Infelizmente, ela não conseguiu sair.

 

GAZETA – O que tens a dizer sobre a possibilidade de culpa da banda?

ELIEL – Tem muita gente que pensa que a banda toda é culpada, mas não é assim que funciona. Existem os donos, a equipe técnica e nós, que eramos três músicos contratados (Eliel, Rodrigo Martins e Giovane Batista). Nosso serviço era apenas tocar. A parte dos fogos tem uma equipe técnica responsável, nem nos envolvemos nessa questão. Eles utilizaram dois sinalizadores de chão. Estão falando que o vocalista levantou o fogo, mas eu não vi nada. Foi questão de segundos, uma fatalidade que a gente não espera. Toco a 17 anos e eu nunca tinha visto nem incêndio pequeno.

 

GAZETA – A casa estava superlotada?

ELIEL – Acho que tinha mais de 1500 pessoas lá dentro. Eu nunca tinha visto a casa tão cheia. Do camarim até o palco levamos quase meia hora e a casa não era grande. Ouvi comentários de mulheres que não conseguiam nem ir ao banheiro de tão apertado que estava, e isso que tinha dois. Talvez tenha existido o erro dos fogos, mas acredito que o que faltou mesmo foi saída de emergência, pois daria tempo do pessoal sair.

 

GAZETA – Foi muito difícil encontrar a saída?

ELIEL – Tem uma toca em cada lado da boate, e no escuro, com uma fumaça preta que vai entrando nos pulmões e começa a arder, tu não enxerga nada. Muita gente foi para os banheiros tentar alguma janela, mas não tinha. No camarim morreram dois colegas nossos da outra banda. Não tinha por onde eles saírem. É um labirinto, uns bretes. Se tu não conhece a casa, no escuro e no pânico, tu não sai. Foi terrível. Quem saiu de lá, nasceu de novo.

Em conversa com a Gazeta, Eliel lamenta a tragédia e diz que nasceu de novo. Foto Renato Moraes
Em conversa com a Gazeta, Eliel lamenta a tragédia e diz que nasceu de novo. Foto Renato Moraes

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